12. E Riobaldo fala da boa tristeza




“A tristeza. Aí, o Reinaldo, na paragem, veio para perto de mim. Por causa da minha tristeza, sei que de mim ele mais gostava. Sempre que estou entristecido, é que os outros gostam mais de mim, de minha companhia. Por quê? Nunca falo queixa, de nada. Minha tristeza é uma volta em medida; mas minha alegria é forte demais. Eu atravessava no meio da tristeza, o Reinaldo veio. Ele bem-me-quis, aconselhou brincando: – “Riobaldo, puxa as orelhas do teu jumento...” Mas amuado eu não estava. Respondi somente: – “Amigo...” – e não disse nem mais. Com toda minha cordura. Mas, de feito, eu carecia de sozinho ficar. Nem a pessoa especial do Reinaldo não me ajudava.

Sozinho sou, sendo, de sozinho careço, sempre nas estreitas horas – isso procuro. O Reinaldo comigo par a par, e a tristeza do medo me eivava de a ele não dar valor. Homem como eu, tristeza perto de pessoa amiga afraca. Eu queria mesmo algum desespero. Desespero quieto às vezes é o melhor remédio que há. Que alarga o mundo e põe a criatura solta. Medo agarra a gente é pelo enraizado. Fui indo. De repente, de repente, tomei em mim o gole de um pensamento – estralo de ouro: pedrinha de ouro. E conheci o que é socorro.”


Existem alegrias e tristezas boas e más.

A boa alegria diz respeito ao envolvimento com a vida. E como tudo que é vital é em aberto e encontra-se em transformação, a boa alegria diz respeito a abertura para o novo, à descoberta, à graça diante daquilo que se apresenta para nós e diante daquilo que conseguimos construir. A boa alegria diz respeito ao gozo genuíno do prazer de viver.

Ou, como diria Riobaldo, “O senhor tenha na ordem seu quinhão de boa alegria, que até o sertão ermo satisfaz.”

A má alegria é como uma euforia desmedida e auto-suficiente. Ela diz respeito aos nossos desejos de onipotência e de perfeição, aos nossos desejos de nunca errar e sempre estarmos certos. A má alegria é um tipo de hipomania cobiçosa convencional, na qual nos convencemos que estamos sempre certos e apressados, passamos ao largo da realidade, sem nada ver.

A má tristeza diz respeito à cólera desesperada, à magoa antiga,  ao ressentimento velho e ao rancor mofado. A má tristeza é projetiva e supõe que os outros, e somente eles, é que são responsáveis pelos problemas que temos, se alimentando da embriagante lamentação. A má tristeza procura culpados e não soluções, por vezes até foge das soluções. A má tristeza não leva à compreensão.

O filme “Hiroxima, meu amor” retrata uma boa metáfora da má tristeza quando a atriz principal, ao narrar o enorme sofrimento pelo qual passou durante a Segunda Guerra, vai afundando na dor e na lamentação e por pouco não enlouquece novamente. A má tristeza nos ensina que a dor deve ter sua medida ou nos afogaremos em nossas próprias lágrimas.

A boa tristeza diz respeito ao momento de parada, quando precisamos reavaliar nossos projetos e mudar de direção. A boa tristeza está relacionada à percepção do erro como um elemento de aprendizagem e de aproximação da realidade. A boa tristeza acontece quando compreendemos que as coisas não se transcorreram como gostaríamos, mas que agora, diante da clara realidade que se apresenta, podemos finalmente caminhar com os pés no chão. A boa tristeza leva à compreensão.

Na maior parte das vezes essas tristezas e alegrias se apresentam bem misturadas.

Mas, como diria Riobaldo...

“A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar.”


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