10. E Riobaldo fala da vaidade
“Titão Passos era homem ponderado em simples, achou boa a
minha razão. Todos acharam. Aquela munição era de ida urgente, mas também valia
mais que ouro, que sangue, se carecia de todo cuidado. Fui louvado e dito
valedor, certo nas idéias. Ao senhor confesso, desmedi satisfação, no ouvir
aquilo – que a assoprada na vaidade é a alegria que dá chama mais depressa e mais
a ar.”
Em
outro trecho Guimarães Rosa escreve:
“O
princípio de toda maior bobagem é um se prezar demais o próprio da própria
pessoa”.
Ou,
como diria o capetão mor, no final do filme “O advogado do diabo”:
-
A vaidade é meu pecado predileto!
Segundo
Alceu Amoroso Lima a soberba é o maior dos pecados. Ela é a a busca indevida do
divino enquanto perfeito. E seria a origem de todas as outras formas de perda
da humanidade de cada qual, na busca de uma onipotência divina. Esse tipo de autodivinaçao
do humano seria, ainda segundo esse autor, um tipo de antropocentrismo e de negação
de deus. É um pecado mascarado pelo fato de que nenhum soberbo se julga soberbo
e está de certa forma em todos os pecados, de uma forma disfarçada, essa hipertrofia
do amor próprio. “O homem foi feito pra amar e respeitar a si mesmo. Quando
trai esse amor por uma paixao idolatra de sua própria onipotencia, ou se
encobre pela falsa humildade, abre as portas pra soberba. A raiz do pecado é a
ignorancia de si mesmo.” Seria ainda um pecado simpático e ridículo.
Em
relação a esta questão é interessante comparar a etimologia da palavra
humildade com a etimologia da palavra humano.
Humildade
vem do latim humilìtas,átis , que significa de pouca elevação, de pequena estatura. Humano
se origina a partir da palavra latina humánus,a,um, que indica o que é próprio do homem.
Os
dois vocábulos têm em comum o prefixo HUM, do latim húmus, significa terra, solo. Humilde nesse sentido indica o que
permanece na terra, não se eleva da terra, aquilo que é humilde, de baixa
estatura e por isso mesmo próximo ao solo. E Humano indica por sua vez
habitante da terra, por oposição primeiro aos deuses, depois aos outros seres.
É
de se notar que as duas palavras, humilde e humano, têm a mesma cognação, ou
seja, vem de uma mesma raiz. Isso sugere uma íntima correlação entre os termos.
Poderíamos então imaginar, em virtude desta correlação, que humano e humilde
são termos irmãos. E poderíamos até nos arriscar a dizer que seria próprio do
humano a humildade, o saber-se próximo do chão, o saber-se finito e limitado. E
por ser assim incompleto o ser humano encontra o seu próprio mistério, que é ser
um ser de aprendizagem, um ser que se constitui na aprendizagem durante toda a
sua vida, nunca chegando a estar pronto.
Mas
negamos essa condição de humanos aprendizes, e almejando a perfeição -
perfeição esta inumana por definição - vivemos numa busca desesperada do
sucesso, do não falhar, do chegar, ver e vencer absolutos. E assim vivemos
prisioneiros da vaidade e da soberba, com pressa, medo e desesperança.
Qual
seria a saída da vaidade e da soberba?
Guimarães
Rosa faz uma sugestão ao dizer no seu livro “Tutaméia”, no conto “Aletria e
hermenêutica” que “Se o tolo admite, seja nem que um instante, que é nele mesmo
que está o que não o deixa entender, já começou a melhorar em argúcia.”
Parece
sugerir assim a saída socratiana do auto-conhecimento.
Talvez uma outra forma de abordar o problema fosse reconsiderar um
termo em desuso: a palavra lhaneza.
Lhaneza é a qualidade do que é lhano e afável. Indica candura,
singeleza. Vem do espanhol, e junta em si os fundamentos da franqueza e da
simplicidade. Lhano é aquele que é movido pela franqueza, que é franco, sincero,
natural e verdadeiro. E o é de maneira simples, singela, amável e despretensiosa.
Lhano se opõe tanto ao afetado e ao fingido e rebuscado, como
também ao tosco, ao presunçoso, ao ardiloso, ao vaidoso e ao soberbo.
Lhaneza seria a ponte entre a simplicidade e a verdade, entre a
sinceridade e a delicadeza. Aquilo que é lhano consegue tudo dizer, com força e
franqueza, sem afetação, fingimento, ardil, presunção ou rebuscamento.
Na
“lhanidade” recuperamos a simplicidade e a naturalidade de uma contaminação pela
infantilidade. Na “lhanidade” o ser bom nada tem a ver com o ser bobo, inocente
ou pueril..
Ou,
ainda retornando ao Rosa, “Falava-se de uma ternura perfeita, ainda nem
existente; o bem-querer sem descrença.”
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