41. E Riobaldo se defronta com o menino



Riobaldo agora pede que seus homens busquem nas redondezas todos aqueles que possam ajudar na guerra contra Hermógenes. E chegam as pessoas, algumas daquele lugarejo miserável e tomado pela peste, outras loucas abandonadas nos ermos lugares. E Riobaldo se pergunta se estaria cometendo alguma perversidade ao retirar essas pessoas de suas famílias e lugares. Pensa para si que não, que estava é retirando aquelas de suas misérias.

E saíram pelo sertão. Com alguns dias de viagem os guerreiros mais antigos vieram avisar que só se tinha três dias de farinha e carne-seca. Riobaldo julga a preocupação uma tolice. Também desconsidera o cuidado habitual de repartir o pessoal em grupos menores.

Cautelas... Que não. Eu fosse ter cautela, pegava medo, mesmo só no começar.

E vai Riobaldo tentando se afastar do medo. E vai tomando gosto em ver as pessoas com medo dele. Mas permanece receoso de ter o respeito por sua pessoa em algum momento rebaixado. E se critica:

Isso de estimar os outros, muito ligeiro, defeito esse que me entorpecia.

É Riobaldo a batalhar com seu espírito delicado, como se sua delicadeza fosse algum tipo de fragilidade.

E Diadorim estava mais silencioso, algo triste. E Riobaldo pensa que desde que virou o chefe via Diadorim mais afastado.

E vai gostando de ver o medo que inspira, ao passar com seu bando.

Apreciei de ver como todos souberam jeito de esconder o medo que de mim deviam de ter.

E chega agora o livro a um de seus trechos mais belo. E é curioso, esse trecho justo aqui, onde Riobaldo luta para se desvestir de sua delicadeza e cuidado e começa a gostar de ser temido. Eis que surge nesse exato ponto um trecho natalino, o nascimento de um menino, o novo a despontar, em sua natural beleza e fragilidade. Eis a belezura:

Da mulher – que me chamaram: ela não estava conseguindo botar seu filho no mundo. E era noite de luar, essa mulher assistindo num pobre rancho. Nem rancho, só um papiri à-toa. Eu fui. Abri, destapei a porta – que era simples encostada, pois que tinha porta; só não alembro se era um couro de boi ou um tranço de buriti. Entrei no olho da casa, lua me esperou lá fora. Mulher tão precisada: pobre que não teria o com que para uma caixa-de-fósforo. E ali era um povoado só de papudos e pernósticos. A mulher me viu, da esteira em que estava se jazendo, no pouco chão, olhos dela alumiaram de pavores. Eu tirei da algibeira uma cédula de dinheiro, e falei: - “Toma, filha de Cristo, senhora dona: compra um agasalho para esse que vai nascer defendido e são, e que deve de se chamar Riobaldo...” Digo ao senhor: e foi menino nascendo. Com as lágrimas nos olhos, aquela mulher rebeijou minha mão... Alto eu disse, no me despedir: - “Minha Senhora Dona: um menino nasceu – o mundo tornou a começar!...” – e saí para as luas.

É certo que Riobaldo julga que nesse trecho realizou grande obra. Afirmou novamente seu poder e autoridade, deu dinheiro e exigiu seu nome na criança. Mas “um menino nasceu – o mundo tornou a começar!” Trata-se aqui da vida surgindo novamente, inacabada, frágil e bela, iniciante, palmeando a realidade. O autor vem novamente bagunçar nossos conceitos. Vem balançar as categorias rígidas que gostamos tanto de usar para avaliar a realidade. Vem nos deixar com dificuldades de classificar afinal, o que se passa, qual o significado disso tudo?

É como se dissesse: É, Riobaldo. Já tem poder e mando. E a vida segue surgindo, inacabada e bela, apesar de você e junto a você.

E Riobaldo segue sua sina de chefe.

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