40. E Riobaldo continua a se impor, para se afirmar como chefe
Riobaldo agora é o chefe. E se sente muito diferente. Parece que todas as nódoas do passado foram limpas.
Aí eu
mandava. Aí eu estava livre, a limpo de meus tristes passados. Aí eu
desfechava. Sinal como que me dessem essas terras todas dos Gerais,
pertencentes. Por perigos, que por diante estivessem, eu aumentava os quilates
de meu regozijo. À fé, quando eu mandasse uma coisa, ah, então tinha de se
cumprir, de qualquer jeito. - “Tenho resoluto que!” – e montei, com a vontade
muito confiada.
Mas
agora ele tem a necessidade de se fazer conhecer, ele precisa do olhar alheio
sobre si. O que sugere que as nódoas, mesmo que esmaecidas, ainda se faziam
visíveis.
Era
primeira viagem saída, de nova jagunçagem; e as extraordinárias cousas, para
que todos admirassem e vissem, eu estava em precisão de fazer.
E
Riobaldo dá uma ordem de mando para o rico fazendeiro, Seô Habão. Que ele leve
a pedra, o presente que ele tinha guardado por muito tempo para Diadorim, para
entregar a Otacília, que ele considera como noiva.
E, ao
olhar Diadorim, percebe que ele está muito triste, tentando conter suas
lágrimas. Percebe com total lucidez que estava assim por causa da pedra que lhe
tinha sido ofertada, como presente de estima, antes. E que agora seria dada
para Otacília.
Eu não
tinha tido dó de Diadorim. “Dei’stá’, tem tempo, Diadorim, tem tempo...” –
pensei, a meio. Da amizade de Diadorim eu possuía completa certeza. E mais não
me amofinei. De manhã cedo, o senhor esbarra para pensar que a noite já vem
vindo? O amor de alguém, à gente, muito forte, espanta e rebate, como coisa
sempre inesperada. E eu estava naquelas impaciências. (...) Aquela tristeza de
Diadorim eu não aceitei, nem ceitil não recebi. Ingratidão, para o mais-tarde.
E assim
continua o processo de endurecimento de Riobaldo, em busca da valentia,
pensando que está buscando a coragem. Ele não parece surpreso com a reação de
dor de Diadorim, ao ver a pedra que lhe era prometida ser enviada à Otacília.
Talvez mesmo tenha feito o ato como a avisar a Diadorim – e a todo o resto, e
inclusive a si mesmo – que agora ele não hesita nem tem medo. Se ele afronta e
desdenha seu maior amigo e amor, o que faria com outro qualquer?
Mas um
olhar mais acurado perceberia as fissuras por trás de toda aquela dureza. A
potência que, para se manifestar, precisa de uma imposição de força
injustificável, já dá mostras de suas fragilidades. A potência que não se
manifesta por si mesma mas precisa de ser imposta, forçada, revela que o agente
não confia, verdadeiramente, no que deseja fazer ou mostrar. Riobaldo precisa
se mostrar certo e sem hesitações para o bando, justo por ainda sentir, dentro
de si, o medo que lhe pertence. E que ele nega e renega, por supor ser sua
suprema fragilidade, seu calcanhar de Aquiles, seu defeito maior. Muito do que
amedronta, não passa de fantasia. Muito do que aniquila, não chega a ser
percebido. Riobaldo, com medo do seu medo, não percebe que não é o medo – irmão
da prudência – seu verdadeiro problema. E sai em busca da valentia sem dúvidas.
E também não sabe que é nessa dureza sem hesitações que encontrará seu maior
sofrimento.
Comentários
Postar um comentário