31. E Riobaldo fala da velhice
Ainda tentando dar combate aos traidores que
mataram Joca Ramiro, o grupo de Riobaldo encontra o respeitado líder Medeiro
Vaz.
“Medeiro Vaz, retratal, barbaça, com grande chapéu
rebuçado, aquela pessoa sisuda, circunspecto com todas as velhices, sem nem velho ser. Cujo eu me disse: – “É
bom homem...” E ele beijou a testa de Diadorim, e Diadorim beijou aquela mão. A
um assim, a gente podia pedir a benção, se prezar.”
Medeiro Vaz “com todas as velhices, sem velho ser”.
A velhice pode ser vivenciada de diversas formas.
Pedro Nava disse que a velhice é um carro com os
faróis voltados para trás. Neste modo de ver a experiência de vida não tem
muito valor, não serve para o adiante. É uma velhice desesperançosa, onde não
se espera muito do que está por vir.
Darcy Ribeiro, em seu livro “O Mulo”, faz o
personagem narrador dizer:
“Velhice é isso. É não ter outros eus adiante para
neles se desdobrar. Não tenho nenhum, estou resumido ao que agora sou. Meu eu
de hoje é já meu eu de sempre. Com ele vou acabar. Amém.”
E ainda:
“Envelhecer é isso. É ir restringindo o mundo da
gente, reduzindo a convivência, é ir-se resumindo até caber, inteiro, dentro da
gente mesmo. Quando o recolhimento se completa, só resta morrer, e, enquanto
não morrer, viver como eu vivo, pra dentro, enrustido. Ruminando idos vividos”.
Muitos de nós vivenciam essa velhice desesperançada
sem mesmo ter uma idade mais avançada. Nos portamos como se mais nada pudéssemos
aprender, mais nada pudéssemos mudar. Isso é ser evelhentado ou avelhentado, termos
do português em desuso e que significam envelhecer antes do tempo, envelhecer
precocemente.
Posição diversa apresenta Aníbal Machado em seu livro “Cadernos de João”, ao dizer:
“O espírito só tem uma idade: ou é
sempre jovem, ou não é espírito. Tudo o mais é arquivo e reminiscência”.
Lembrei-me desse trecho ao liguei para minha mãe, para dar-lhe os parabéns pelos seus sessenta e tantos anos. “Obrigada”, ela respondeu, bem desanimada. Tentei mais uma vez, com algo como “Tudo de bom, muitos anos de vida” e ela com outro obrigada, sem nenhum entusiasmo. Perguntei então que voz era aquela e ela disse: "Ah, meu filho... A idade... meu corpo já não acompanha meu espírito."
Recitei a passagem do Anibal para ela. “Interessante isso”, comentou. Continuei com algo como: "É... seu corpo já não é o mesmo... nem o meu. Mas também é verdade que faz muito tempo que eu não lhe vejo tão animada com a vida como nesses últimos dois ou três anos. Você está cheia de projetos, fazendo um tanto de coisa, buscando novas oportunidades e recuperando umas antigas. Até mais exigente, não dando mole para quem tenta abusar da sua boa vontade, você tem sido... Do ponto de vista do Aníbal, você está é bem jovem." Ela conversou um pouco, concordou comigo e desligou o telefone com a voz bem melhor.
Muitos anos atrás li uma entrevista de Mario
Quintana - nunca mais localizada! - por ocasião de seu aniversário de oitenta
anos. Reconto-a de memória, e se algo não estiver de acordo com a entrevista
real, pelo menos foi o que ficou para mim como relevante.
A repórter pergunta ao poeta se ele não tem saudade
de sua juventude, de seus dezoito anos. Ele diz que não, que já tinha feito
dezoito anos uma vez e que essa era a primeira vez que fazia oitenta. Ela
pergunta se ele não sentia falta da força e do vigor da juventude. Ele diz que
não, que não quer mais fazer as coisas que queria fazer quando tinha dezoito
anos. Diz que quando jovem tinha muito medo do que vinha adiante e que nada se
comparava com a paz que adquiriu com a idade.
A repórter, já um pouco irritada, meio que
pergunta, meio que afirma que deve haver algo de ruim na velhice.
Mario Quintana diz que sim, há. Que ele já enterrou
a maior parte de seus amigos e que isso é muito chato. Mas antes que a repórter
se anime com isso, o poeta completa que já descobriu a saída para esse enigma.
Diz que agora só faz amizade com brotinhos, só com gente de uns 60 anos. Sabe bem
que está de sacanagem, que esses novos amigos vão ter que enterrá-lo um dia.
Mas que ele já fez isso pelos amigos mortos e que os novatos terão que passar
por isso também.
Certamente a velhice trás, além da experiência,
limitações e sofrimentos. Contudo alguns velhos parecem saber o segredo, se não
da juventude, da graça e da vitalidade diante da sorte de uma vida duradoura. Martin
Buber expressou muito bem essa forma de viver a velhice quando escreveu: “Ser
velho é coisa gloriosa quando não se esquece o significado de começar... Não
era de nenhuma maneira jovem (aquele ancião), mas era velho de uma maneira
jovem, pois sabia como começar. ”
Goya, grande pintor espanhol, já idoso, doente e
acamado, e tendo passado em vida por dificílimas provações, rabiscou o desenho que
ilustra esse texto e escreveu a legenda:
“Ainda aprendo. “
Por fim, na mesma linha que Aníbal Machado, José Bergamín nos presenteia com seu belo poema (tradução minha):
A velhice é
uma máscara:
Se tu a
tiras, descobres
O rosto
infantil da alma.
A infância
vai te seguindo
Durante toda
a vida.
Mas ela vai
mais devagar
E tu andas
sempre depressa.
Quando a
velhice lhe chega,
Não é que
voltes à infância,
É que
moderas o passo
E por fim a
infância lhe alcança.
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